quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Desmatamento e segurança dos alimentos - Desmatamento na Amazônia favorece aumento de bactérias resistentes a antibióticos.

 

Estudo realizado na Amazônia por pesquisadores mostrou que o desmatamento tem causado aumento na diversidade de bactérias resistentes a antibióticos

Foto: Cena-USP via Agência Fapesp / CC-BY-NC-ND


A expansão da pecuária e da agricultura é responsável pelo aumento acentuado das taxas de desmatamento na floresta amazônica, com consequências para o clima e micro e macro biodiversidade. Embora muitos estudos tenham avaliado os efeitos do desmatamento no microbioma, seu efeito no resistome do solo permanece desconhecido.


Pensando nisso,  pesquisadores do Cena, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP (Esalq), em Piracicaba, e do Laboratório Nacional de Computação Científica, em Petrópolis (RJ), realizaram uma análise de 48 amostras de solo de áreas desmatadas do Pará e do norte do Mato Grosso. Comparando os microrganismos que vivem no solo da floresta nativa com aqueles encontrados em pastagens e plantações.


Usando ferramentas de bioinformática, os pesquisadores compararam cerca de 800 milhões de sequências de DNA extraídas das amostras, com um banco de dados de genes conhecidos pela resistência a antibióticos. Foram encontrados 145 genes com essa característica, capazes de resistir à ação de antibióticos por meio de 21 mecanismos moleculares diferentes. Ainda que bactérias resistentes a antibióticos estejam presentes no solo florestal, esses microrganismos e seus mecanismos de resistência se apresentaram muito mais abundantes nos solos de pastagens, áreas desmatadas e plantações.


bactérias e fungos isolados de solo e raiz de cana-de-açúcar. Foto: GCCRC/Divulgação via Agência Fapesp / CC-BY-NC-ND


“As bactérias produzem substâncias para atacar umas às outras. Essa competição por recursos é comum em qualquer ambiente. Quando uma área é desmatada, porém, uma série de fatores aumenta a competição, favorecendo justamente aquelas bactérias que podem resistir a essas substâncias. Se chegam aos humanos, esses microrganismos podem se tornar um grande problema”, explica Lucas William Mendes, pesquisador apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, em Piracicaba, e um dos autores do estudo. A pesquisa integra um projeto ligado ao Programa Biota-Fapesp e coordenado por Tsai Siu Mui, professora do Cena.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a resistência a antibióticos um problema de saúde pública global . Doenças resistentes a medicamentos, de modo geral, causam cerca de 700 mil mortes por ano no mundo, segundo a organização.


De acordo com Mendes - o processo de ocupação na Amazônia consiste em, primeiramente, derrubar as árvores mais valiosas para exploração da madeira. Em seguida, todo o resto é desmatado e a área, queimada, para dar espaço a culturas agrícolas ou capim para o gado. Além das cinzas da vegetação que vivia ali, o solo recebe ainda calcário para diminuir a acidez e outros insumos agrícolas. Essa abundância de nutrientes gera uma proliferação de bactérias e uma competição feroz por recursos 


O estudo observou  uma grande quantidade de bactérias resistentes principalmente a dois tipos específicos de antibióticos, tetraciclina e betalactamase. Medicamentos com esses princípios ativos são largamente utilizados no tratamento de doenças do gado e podem chegar ao solo por meio das fezes e da urina, uma vez que os bovinos têm baixa absorção de antibióticos. O uso de esterco como adubo pode, segundo os pesquisadores, contribuir para a propagação das bactérias resistentes.


Não é possível afirmar, no entanto, que os microrganismos imunes a antibióticos são capazes de migrar do solo amazônico para os alimentos produzidos nele, como grãos, cana-de-açúcar e carne. Alguns trabalhos supõem que essa transferência possa ocorrer, mas ainda não há estudos que mostrem uma relação direta. Contudo, é algo que deve ser olhado com atenção, pois se essas bactérias resistentes chegarem aos humanos podem causar um grande problema de insegurança alimentar para milhares de pessoas, além de gerar um grave quadro de saúde pública.

Tampouco há soluções imediatas para impedir o surgimento dessas bactérias em solos cultivados. Um manejo que leve em consideração outras funções dos microrganismos além da produtividade das plantas, como ciclagem de nutrientes e diminuição de espécies produtoras de metano, por exemplo, pode ajudar a mitigar o problema.

Isso pode ser feito com o transplante de solo natural para uma área cultivada ou mesmo com o uso de inoculantes. Esses produtos baseados em microrganismos levam para o solo funções importantes que podem, de quebra, diminuir o uso de fertilizantes e agrotóxicos, a ponto de serem vistos como um potencial mercado de bilhões de dólares.

No caso da Amazônia, as soluções e as oportunidades podem estar logo ao lado de um pasto ou de uma plantação, no próprio solo da floresta nativa.

Referências:

Desmatamento na Amazônia favorece aumento de bactérias resistentes a antibióticos (ecodebate.com.br)


Desmatamento favorece aumento de bactérias resistentes a antibióticos – Jornal da USP


Amazon deforestation enriches antibiotic resistance genes - ScienceDirect


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