domingo, 20 de outubro de 2019

O microplástico na alimentação

Você sabe o que é plástico e como ele pode estar presente em nossa dieta?
Plástico é um material que como o próprio nome diz, é extremamente versátil, formado por polímeros, isto é, longas cadeias de moléculas que conferem, leveza, moldabilidade, resistência à degradação e sobretudo, menor custo de produção quando comparado com demais matérias-primas como madeira e metais.
Dessa forma, a fabricação e emprego do plástico a partir da segunda metade do século XX teve crescimento exponencial e segue até a contemporaneidade, haja visto que é praticamente impossível imaginar uma realidade em que o plástico não faça parte do cotidiano, como por exemplo no setor de embalagens, produtos cosméticos, higiene pessoal, utensílios cirúrgicos , aparelhos eletrônicos e etc.
No entanto, ao mesmo tempo que tornou a vida da população de modo geral muito mais prática, tem representado um problema ambiental de dimensões globais, justamente pela alta resistência à degradação por fatores abióticos como água, pressão e radiação solar. Resultando em quantidades inimagináveis de plástico que desde o início do processo de produção em massa não foi degradado e perdura até hoje nos ecossistemas.


De acordo com um estudo publicado pela Science Advances em Julho de 2017, cerca de 8,9 bilhões de toneladas de plásticos primários (virgens) ou secundários (oriundos de reciclagem) já foram produzidos desde o final do último século e desse total, cerca de 6,3 bilhões de toneladas viraram lixo enquanto que 2,6 ainda encontram-se em uso. Sendo assim, uma das grandes preocupações com relação ao dados apresentados é a quantidade de lixo plástico que acaba nos mares e oceanos, com uma estimativa de 8 milhões de toneladas por ano, o que acaba por prejudicar a vida marinha e consequentemente a própria humanidade.
 
Imagem 1: Ilha de plástico na costa norte de Honduras. Foto: Caroline Power Photography

Tendo tudo isso em vista, alguns estudos recentes demonstraram que há presença de microplásticos em alguns alimentos como por exemplo o sal comercial de cozinha e a água doce, engarrafada ou não.
Mas o que são microplásticos? São pequenas frações oriundas de outros materiais feitos de plásticos; são considerados microplásticos aqueles que possuem comprimento e/ou diâmetro inferior à 5 mm, sendo muito comuns partículas da escala de micrômetros, isto é, milésimos de 1 mm.
Imagem 2: Microplásticos. Fonte Bossapack. Acesso em 19 de outubro de 2019


De onde vêm essas micropartículas? São inúmeras fontes possíveis para tal, desde a fabricação de pellets que são pequenas esferas plásticas utilizadas como matéria-prima para a fabricação de embalagens, até a lenta degradação mecânica de objetos maiores feitos de plástico, como garrafas PET, sacolas redes de pesca e outros objetos comumente encontradas nos oceanos. Além disso, estima-se que uma das grandes fontes das fibras de microplásticos nos oceanos (cerca de 90%) é a água oriunda da lavagem de roupas, uma vez que cerca de 60% de todas as vestimentas produzidas são feitas a partir de fibras plásticas.
Dessa forma, ao lavar as roupas, milhares de fibras de soltam dos tecidos e saturam os filtros das máquinas, passando através delas e consequentemente passando pelas estações de tratamento, tendo como destino final, o mar, onde ficarão suspensas na água até serem ingeridas por animais como por exemplo crustáceos e peixes que por sua vez serão comercializados e ingeridos por nós, seres humanos.

Imagem 3: Fibras microplásticas. Fonte: Universidade de Barcelona. Acesso em 19 de outubro de 2019


Quais são os problemas associados ao microplástico? Em se tratando da vida marinha, muitos animais acabam por confundir as partículas sintéticas com alimento e as ingerem, dessa forma, inúmeros problemas decorrem desse fenômeno, como por exemplo a obstrução do trato digestivo e muitas vezes rompimento das paredes de seus órgãos pelo fato de apresentarem formato pontiagudo em muitos casos, tornando-se potenciais objetos cortantes.
Já em seres humanos, ainda estão sendo realizados estudos na área, mas já foi demonstrado que além de estarmos ingerindo alimentos contaminados com microplásticos, há microplásticos em forma de fibras suspensas no ar que respiramos, que podem ser originários de diversas fontes como das roupas que vestimos e do atrito de pneus com o asfalto, levantando preocupações dos possíveis impactos sobre a saúde humana ao respirar tais fibras.
 
Ilustração 1: YouTube. Fonte: Mar Sem Fim. Acesso em 19 de outubro de 2019


Dentre os mais diversos efeitos no organismo humano, um que chama a atenção é a adsorção de poluentes orgânicos persistentes (POP’s) por parte das partículas plásticas, isto é, o plástico ao ficar em contato com diversas substâncias orgânicas poluentes que estão presentes também na água dos mares e oceanos, acaba por assimilar essas substâncias contaminantes ao longo de sua superfície, dessa forma, tais substâncias podem ser liberadas dentro do trato gastro intestinal dos animais pela ação de enzimas digestivas.
Outro ponto importante a ser discutido é a questão do Bisfenol A (BPA), que é uma substância empregada na fabricação de alguns tipos de plástico. Comumente encontrada na composição de resinas epóxi que revestem a parte interna de latas metálicas e utilizadas também em papéis térmicos destinados a embalar alimentos. Essa substância é amplamente encontrada no meio ambiente bem como já foi encontrada em amostras de urina de 93% de 2.517 estadunidenses acima de 6 anos de idade pelo Centro de Controle de Doenças (CDC).
Ao ser testada, em laboratório, demonstrou ter impactos sobre a saúde a partir da exposição, chegando a ser proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em 2011, em especial para a fabricação de mamadeiras. Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e a Sociedade Americana de Endocrinologia, o BPA é um desregulador hormonal, uma vez que pode se ligar aos receptores de estrógeno de diversas maneiras, impactando o sistema hormonal humano. Em outro estudo realizado com ratos, demonstrou-se que houve danos à espermatogênese dos indivíduos cuja gestante foi exposta ao bisfenol A e além disso, foram registrados também alterações do metabolismo e da produção de hormônios na tireoide, resultando em um quadro semelhante ao de hipertireoidismo em humano. No entanto ainda não se tem resultados conclusivos acerca dos efeitos em seres humanos.
Diante deste cenário, o que é possível ser feito? É claro que a utilização do plástico foi fundamental para o desenvolvimento tecnológico da humanidade e sem ele, muitas das tecnologias hoje conhecidas não seriam possíveis. No entanto, é possível e necessário ter consciência sobre como o uso irracional e desenfreado deste material pode levar à danos irreversíveis ao ecossistema e à manutenção das mais diversas formas de vida, incluindo a nossa. Sendo assim, algumas medidas podem ser empregadas, como por exemplo o uso controlado denominados produtos plásticos de uso único, isto é, aqueles como pratos, copos e talheres, canudos e sacolas que são descartados imediatamente após o uso representam de 35% a 40% da produção atual.
Diversos países do continente africano como Tanzânia, Quênia, Ruanda e outros 31 países do mesmo continente já aboliram ou estão lutando para que este objetivo seja alcançado. Na União Europeia também foi aprovada uma decisão que proíbe produtos plásticos descartáveis.
Além de medidas de restrição, pode-se buscar desenvolver materiais alternativos ao plástico e se que sejam biodegradáveis, como por exemplo a fabricação de couro sintético a partir do aproveitamento de casas de uva, e a elaboração de um plástico que seja de fato biodegradável como resinas obtidas a a partir de lignina e penas de aves presente na madeira e descartada pelas indústrias de papel e a partir da coleta de penas de aves de corte em granjas.
 
Imagem 4: Solução alternativa para embalagem plástica na Tailândia. Fonte: Razões Para Acreditar. Acesso em 19 de outubro de 2019


 
Imagem 5: Mercado Original Unverpack criado em Berlim. Fonte: Revista Exame. Acesso em 19 de outubro de 2019


Através da educação pode-se reduzir a utilização de plástico de forma desnecessária, haja visto que em supermercados da Tailândia substituiu-se a utilização de embalagens plásticas para os vegetais comercializados por embalagens feitas a partir de folhas vegetais; na Alemanha, foi criado um mercado no qual não se utiliza embalagens, estimulando o consumidor a levar embalagens reutilizáveis recipientes de vidro e sacolas de tecido. Representando assim, iniciativas inspiradoras para serem adotadas no Brasil e que são necessárias, mas que demandam esforço para que haja de fato uma mudança cultural através da conscientização, que por sua vez pode ter início em diversos setores da sociedade, como nas escolas e dentro dos próprios supermercados, contando com apoio midiático e incentivos governamentais.



Referências bibliográficas
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