segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Perda, desperdício e métodos tradicionais de conservação de alimentos

 

      Desde os primórdios das civilizações, nas sociedades pré-históricas, a obtenção de alimentos representa uma atividade trabalhosa e que demanda grande esforço, logo, um bem tão valioso e imprescindível à manutenção da vida deve ser tratado com respeito, evitando-se o desperdício.

          Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), entre um quarto e um terço de todo alimento produzido mundialmente é perdido ou desperdiçado todo ano, isto representa um valor de cerca de 1,3 bilhão de toneladas.

            A perda refere-se à diminuição da biomassa disponível para o consumo humano nas fases de produção, colheita e logística, isto é, alimentos que se tornam impróprios para o consumo, seja por erro de metodologia de colheita, no erro de manejo do cultivo, no processo de logística, que muitas vezes pode ser precário e ineficiente na conservação dos alimentos transportados; ou por desastres naturais. Já o desperdício é definido como o descarte deliberado de alimentos que encontram-se em estado adequado ao consumo, realizado desde o serviço de comércio varejista, serviço de alimentação como restaurantes e pelos consumidores finais.


            De acordo com a FAO, a América Latina e o Caribe são responsáveis por cerca de 6% das perdas mundiais de alimentos, e cerca de 15% dos alimentos disponíveis na região são perdidos e/ou desperdiçados anualmente. Tais dados são alarmantes, uma vez que, segundo o relatório O Estado da Insegurança Alimentar e Nutricional no Mundo, publicado em junho de 2020, estima-se que aproximadamente 690 milhões de pessoas passaram fome no ano de 2019. E devido à pandemia ocasionada pelo vírus Sars-Cov-2 (COVID-19) cerca de mais 130 milhões de pessoas poderiam ser levadas a fome crônica até o fim de 2020.

                                                          

       Diante de tal situação, uma das medidas que podem ser tomadas a fim de mitigar o desperdício no final da cadeia, isto é, nos setores de prestação de serviços e consumidores finais, seria tomar consciência de como aproveitar o máximo de cada ingrediente, por exemplo, consumir todas as partes comestíveis das plantas, descartando o mínimo possível, como seria o caso de algumas raízes (cenoura, beterraba, nabo, rabanete), que são comumente encontradas nos supermercados sem as folhas, que por sua vez podem ser consumidas a fim de compor uma dieta equilibrada.

            Outra medida que poderia ser adotada são os métodos tradicionais de conservação de alimentos, que datam desde os primórdios das civilizações humanas, uma estratégia que visa prolongar a vida dos alimentos, motivada principalmente pela iminência da escassez de comida no futuro, quando os fatores climáticos resultam na queda de produtividade, garantindo assim, que haja comida de qualidade físico-química e biológica adequada para o consumo futuro.

            Imagine um mundo no qual não há geladeiras para o resfriamento e congelamento de alimentos? Como seria possível a conservação de alimentos de forma segura? Pois é neste cenário em que muitas culturas viviam antes da invenção das geladeiras e congeladores. Nesse mundo do passado não tão distante, haja vista que os meios de transporte refrigerados foram empregados somente a partir da segunda metade no século XIX, utilizavam-se outros métodos que são empregados até hoje, como a salga, defumação, desidratação, concentração e fermentação.

          A salga, como o próprio nome diz, consiste em adicionar sal aos alimentos, empregado comumente em carnes; neste processo, o sal faz com que a carne ou outro ingrediente, perca água, criando assim um ambiente desfavorável para a proliferação de microrganismos, e aumenta a estabilidade das reações bioquímicas, que são responsáveis pela deterioração dos alimentos. Após a salga, os alimentos passam por um processo de secagem, para retirar ainda mais água, podendo ainda serem defumados posteriormente. O processo de salga possui variações, pois pode ser feito da maneira seca, como descrito acima, mas também de forma úmida (salmoura), feita através da imersão do ingrediente em uma solução aquosa com sal e por fim, a salga mista, que é semelhante à salga seca, porém não se retira a água extraída do alimento, deixando o mesmo imerso na própria salmoura.

        

        A defumação consiste em impregnar os alimentos com fumaça obtida através da queima incompleta de maneiras específicas, esse processo faz com que substâncias sejam transportadas da madeira para o ingrediente, alterando sabor, cor, e aroma, de acordo com a madeira utilizada. Em uma câmara é feita a combustão incompleta da madeira, que gera fumaça, que vai em direção à atmosfera, passando pelos alimentos m uma extensão da câmara e saindo posteriormente através de uma chaminé; esse processo pode levar de 1 a 16 dias, dependendo do tamanho dos alimentos a serem defumados.

        Para esse processo, é necessário que a salga seja feita anteriormente, de modo que a defumação seja considerada um complemento para o método de conservação, mais do que um método de conservação em si. E também podem ser divididos em basicamente duas formas, fria e quente; na forma fria, o ingrediente sofre a ação da fumaça sob temperaturas inferiores à 40ºC. Já na defumação quente, a fumaça pode alcançar até 120ºC, o que acaba por ao mesmo tempo cozer o alimento em questão.

 

        concentração consiste em retirar entre 1/3 e 2/3 da água dos ingredientes, dessa forma, diminuindo a atividade de água, diminui-se o processo de deterioração, no entanto a concentração é feita aliada com outros métodos de conservação, um bom exemplo desse método é a evaporação, forma utilizada na confecção de doce de leite e geleia, seguida da adição de açúcar como forma de desacelerar a atividade microbiana.

        A desidratação ou secagem consiste em retirar a água na forma gasosa dos alimentos, sem atingir a temperatura de ebulição, de modo a diminuir a atividade de água, mantendo a integridade do alimento por um longo período de tempo. Pode ser realizada ao sol, um método mais barato e simples, porém, com menos controle das variáveis ambientais, como temperatura e velocidade da corrente de ar, o que não ocorre quando se utiliza uma secadora, que cria o ambiente adequado para a secagem sem grandes problemas.


       A fermentação, é um dos métodos mais antigos de conservar alimentos e consiste basicamente em um processo de deterioração dos ingredientes, isto é, decomposição por fungos e bactérias que ao mesmo tempo que não são patógenos para o organismo humano, geram produtos metabólicos que servem como mecanismo de defesa contra outros microrganismos, como a fermentação alcoólica, que gera álcool, a lática que gera ácido lático, e a acética, que é geralmente um subproduto da fermentação alcoólica, de forma que a ação bacteriana converte o álcool em ácido acético. Nesse caso temos diversos exemplos, como o vinho e a cerveja que são resultados da fermentação alcoólica; o vinagre feito a partir da fermentação do vinho, resultado da fermentação acética; e os queijos e iogurtes, resultantes da fermentação lática do leite.




Referências bibliográficas

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