sexta-feira, 4 de junho de 2021

A fome e a insegurança alimentar

Família de agricultores. Fonte: Governo Federal

    Em 2021 a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) realizou o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. De acordo com os resultados da pesquisa, nos três meses anteriores à coleta de dados, 44,8% dos domicílios brasileiros estavam com seus moradores em segurança alimentar, enquanto que 55,2% das demais se encontravam em situação de insegurança alimentar; 9% estavam em situação grave, isto é, tinham a fome presente no cotidiano, enquanto que nas áreas rurais, a situação era pior, atingindo 12%. A partir do inquérito, constatou-se que os níveis moderado e grave de fome atingiram 11,5% e 9% da população brasileira, sendo o pior índice desde 2004, quando os índices eram de 12% e 9,55%, respectivamente.

    Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado no mês de janeiro de 2021 pelo IBGE, a inflação de alimentação e bebidas acumulou uma taxa de 14,36% ao longo de 2020, no mesmo ano, itens comumente consumidos pelos brasileiros apresentaram alta expressiva nos custos, como o óleo de soja (+ 103,79%) e o arroz (+ 76,01%) o que ajuda a ilustrar os impactos na qualidade das refeições consumidas no país e na própria cultura alimentar como um todo.

Além do ano de 2020 ter sido atípico por conta da pandemia do novo coronavírus, a alta do preço do dólar também contribuiu com o aumento dos preços dos alimentos, haja visto que com a estabilidade do dólar em cerca de R$ 5,14  no mês de dezembro, tornou-se mais vantajoso para outros países importar alimentos do Brasil, ao mesmo tempo em que tornava mais lucrativa a exportação por parte do agronegócio, diminuindo assim a oferta de alimentos no mercado interno.

Além disso, de acordo com um relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Programa Mundial de Alimentos (WFP), estima-se que a situação de fome aguda deve aumentar em 20 países nos próximos meses, caso não haja uma ação de assistência urgente em grande escala. Isso significa dizer que atualmente, mais de 34 milhões de pessoas ao redor do mundo já enfrentam níveis de emergência de fome aguda, ou seja, estão a um passo da morte em decorrência da fome.

Diante deste cenário catastrófico, faz-se necessário, como já indicado pelo relatório, ações de rápidas e efetivas, que visem atender às necessidades atuais e futuras, o que vai desde aumentar a assistência alimentar e nutricional nessas localidades, até restabelecimento de sistemas de coleta de água e formas de aumentar o acesso à renda para as comunidades mais vulneráveis.

No Brasil, a agricultura familiar é de extrema importância, como já indicado pelo Censo Agropecuário de 2017, indicando que 77% dos estabelecimentos agrícolas do país foram classificados como sendo de agricultura familiar, em termos de extensão territorial, abrangem cerca de 23% dos estabelecimentos do mesmo setor em território nacional, até o ano do censo, mais de 10 milhões de pessoas eram empregadas pela agricultura familiar, o que representava na época, 67% do total de empregos na área, bem como responsável por 23% do total de produção no país. O Censo também destaca os impactos dessa modalidade na alimentação dos brasileiros, uma vez que das culturas permanentes, a agricultura familiar é responsável pela pela produção de 48% da produção de café e banana; 80% do valor de produção de mandioca, 69% da produção de abacaxi e 42% da produção de feijão. 


Programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) são responsáveis pelo incentivo e fomento à agricultura familiar. O PAA emprega recursos públicos para a compra de leite e produtos hortifruti e distribui para o país através do Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Já o PNAE é amparado pela Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que determina o valor mínimo de 30% da verba repassada aos estados, municípios e Distrito Federal através do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) seja utilizada para a aquisição de alimentos diretamente da agricultura familiar, dando prioridade aos assentamentos da reforma agrária, comunidades tradicionais indígenas e quilombolas, apoiando assim a produção de alimentos local e de qualidade. 

Na prática, isso significa que enquanto as grandes corporações do agronegócio exportam alimentos visando o lucro por commodities, é a agricultura familiar que sacia a fome dos jovens estudantes através da merenda escolar ao redor de todo o país, uma refeição fundamental na vida de muitas famílias brasileiras, cenário esse que já não é realidade desde a paralisação das aula presenciais em decorrência da pandemia de SARS-Cov-2, ou seja, mais crianças e adolescentes perderam acesso à uma das principais refeições de seus dias e em paralelo à isso, muitas famílias que antes dependiam destes programas para comercializarem seus produtos, agora se vem em uma situação ainda mais precária.

Portanto, é evidente que há uma grande necessidade de incentivar ainda mais a produção de alimentos de origem familiar, bem como valorizá-la adequadamente e promover a distribuição igualitária em todo o território nacional, através de políticas públicas, especialmente em um momento tão dramático da história, na qual a alimentação, uma das necessidades mais básicas para a sobrevivência humana, está sob ameaça.



Referências

http://www.fao.org/family-farming/detail/fr/c/1392789/

https://ojoioeotrigo.com.br/2021/01/preco-de-alimentos-2021/

http://www.fao.org/brasil/noticias/detail-events/pt/c/1391674/

https://ojoioeotrigo.com.br/2020/10/abastecendo-o-direito-a-alimentacao/

https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/pnae/pnae-eixos-de-atuacao/pnae-agricultura-familiar

https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/agricultura-familiar/agricultura-familiar-1


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